domingo, 22 de maio de 2011

Sobre Mangueiras

Jamais vi época de tamanha generosidade e fartura em Rio Branco, como a que vejo na época das mangas. As mangueiras , como se fossem grandes mães, estendem seus galhos carregados por cima de todos os muros. Transgridem o princípio da propriedade simplesmente para oferecer seus frutos aos que por elas passam.

Se a generosidade tiver uma cor, ela bem que poderia ser da cor das mangas espadas, calotinhas, manguitas, coração-de-boi e de tantas outras variedades.

Minha paixão pelas mangueiras nasceu da minha compaixão pela pobreza extrema de grande parte dos habitantes de Rio Branco. Na época desses frutos eles são, em muitos casos, os únicos alimentos diários de muita gente.

Um dia cheguei numa casa coberta apenas com palhas. Os móveis eram caixotes velhos e fazendo o papel de cama, havia uma velha espuma acomodada num canto daquela casa de chão batido.

Crianças havia de sobra naquela casa. Os olhos delirantes sonhavam com um bom prato de comida. Mesmo que fosse apenas farinha e água, já estaria de bom tamanho. Entretanto, nada havia ali que se pudesse comer.

A mãe, sentia pesarosa a situação mas conseguia dar aquele drible emocional que só as mães e outros amores sabem fazer. Toda "animada", ela dizia para as crianças pegarem as latas pois iriam até as mangueiras. “La está muito bom. Tem manga de todo tipo. Uma delícia"! dizia.

Aquela família era apenas uma das dezenas e dezenas de outras famílias em situação semelhante que viviam naquele local. Eu estava ali para entrevistar, mostrar como viviam aquelas pessoas.

Resolvi ir junto com eles para as tais mangueiras já que soube que por aquela hora haveria muita gente por lá.

As árvores estavam próximas dali, numa fazendinha que aos poucos ficou sendo sitiada pela cidade. Havia uma cerca de arame farpado.

Do lado de dentro, uma bucólica pastagem com gados e cavalos maltratados.
Do lado de fora, como num quadro de Van Gogh, a luz e as cores das roupas e os tons das peles das pessoas refletindo a luz do Sol!

Tudo era risadaria, conversa e brincadeira de criançada. As bocas exibiam dentes cravejados de fiapos e as mãos eram um caldo só!

A razão daquela confraternização abençoada, eram as mangueiras. Aos borbotões e em plena fase de gestação e ovários. Afinal, cada manguinha daquela trazia consigo um caroço, destinado a perpetuar a espécie.

A mulher e as crianças foram logo catando as frutas. Comecei também a ajudar e depois de enchermos duas latas com lindas Espadas, nos sentamos para “almoçar”.

Quando a fome foi saciada a conversa fluiu melhor e fiquei sabendo que aquela terrinha pertencia a um colono que não queria estranhos dentro de sua propriedade mas também não se importava que pessoas fossem lá pegar mangas, “desde que elas estivessem do lado de fora da cerca”.

Fiquei ali, com uma manga nas mãos, observando a cena. Ali eu vi o poder da generosidade. As mangueiras e seus galhos que mais pareciam braços, se estendiam gentilmente por sobre a cerca e ofereciam seus frutos àqueles que tinham fome.

Na volta, passando pelas ruas de Rio Branco, não pude deixar de notar a quantidade enorme de mangueiras nos quintais das residências. Todas elas se debruçavam sobre os muros exibindo galhos lotados de mangas. Aquilo alimentou minha alma.


Obrigada, Deus pelas mangueiras.

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