domingo, 24 de abril de 2011

Hotel Central

O tempo passa, irmão. E passa tão rápido, que quando vemos já estamos nos surpreendendo com lembranças de épocas há muito vividas.

Fecho os olhos e vejo imagens de uma época mágica, ambientada no meu quarto de hotel onde passei minha infância e uma boa parte da minha adolescência.

Alí eu vivi o etérico somado ao telúrico...Diante da janela do meu quarto havia um mar de telhados, dos mais diferentes tipos e modelos. A esse mar se unia o azul-escuro infinito das noites enluaradas.

Junto comigo havia sempre o amigo de confabulação e companhia constante, meu cachorro Mike. Bastava dar um sinal da minha intenção de atravessar a janela e ir para o telhado, que Mike já se empertigava todo. O rabinho não parava de abanar.

Dai em diante éramos nós e a lua cheia, que tecia sua teia de iluminação mágica e me envolvia naquele ritual de telhados e mil e uma noites.

Me embriagava com os cheiros misteriosos da noite. Eles me remetiam a lembranças de não sei o quê... Até hoje não consegui nominar isso.

É, o Hotel Central tinha suas histórias.

Certa noite apareceu por lá um hóspede mensalista. Era topógrafo e vinha carregando em sua bagagem um aparelho cujo nome era teodolito, usado para medir distâncias. Quem conhece o aparelho sabe que ele funciona como um binóculo dos bons. Não demorou muito para eu, na altura dos meus 12, 13 anos, começar a bolar um jeito de “emprestar” o teodolito do Walace e levá-lo para minha janela. Assim eu poderia chegar mais perto da lua, ver detalhes das estrelas, das constelações, enfim...

Plano pensado, plano executado. Não demorei nadinha para saber que o mais novo hóspede do Hotel Central saía todas as noites para namorar. Chegava bem tarde e às vezes nem chegava. Só no dia seguinte.

Com a vantagem de ser filha do proprietário, furtivamente a chave mestra dos apartamentos ia para as minhas mãos sempre que queria um pic-nic noturno e assim aconteceu, durante meses.

Wallace saía, as pessoas iam dormir e o teodolito trocava de endereço. Ia parar no apartamento 11 do Hotel Central e virar parte ativa de mais uma noite mágica entre telhados, lua cheia contemplada em todos os detalhes até onde as poderosas lentes do teodolito alcançavam e meu cachorro Mike, louco pelas descobertas de mais uma noite cheirada e buscada nos telhados mais distantes onde ele pudesse explorar.

Daquela janela o mundo era bem mais fácil de entender. O silêncio da noite remetia à sensação de que havia uma grande concordância. Ninguém achava isso ou aquilo. Tudo estava em paz, seguindo sua ordem.

Depois de ficar ali bastante tempo naquele transe misto de harmonia e bem estar, vinha Mike todo feliz da sua caçada noturna. Nossos corpos davam sinais de que queriam dormir. Era chegada a hora de devolver o teodolito.

Devagar abria a porta do meu quarto e ia ver se Walace havia chegado. Affff, graças a Deus que não. Devolvia o equipamento e voltava pra dormir.

No dia seguinte a vida seguia igual. Batalhões de meninas usavam a "Melissa" da moda, a roupa da hora e os meninos com seus comportamentos de sempre.

Minha vida noturna era bem melhor que a vida de adolescente!

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