segunda-feira, 25 de abril de 2011
domingo, 24 de abril de 2011
Hotel Central
O tempo passa, irmão. E passa tão rápido, que quando vemos já estamos nos surpreendendo com lembranças de épocas há muito vividas.
Fecho os olhos e vejo imagens de uma época mágica, ambientada no meu quarto de hotel onde passei minha infância e uma boa parte da minha adolescência.
Alí eu vivi o etérico somado ao telúrico...Diante da janela do meu quarto havia um mar de telhados, dos mais diferentes tipos e modelos. A esse mar se unia o azul-escuro infinito das noites enluaradas.
Junto comigo havia sempre o amigo de confabulação e companhia constante, meu cachorro Mike. Bastava dar um sinal da minha intenção de atravessar a janela e ir para o telhado, que Mike já se empertigava todo. O rabinho não parava de abanar.
Dai em diante éramos nós e a lua cheia, que tecia sua teia de iluminação mágica e me envolvia naquele ritual de telhados e mil e uma noites.
Me embriagava com os cheiros misteriosos da noite. Eles me remetiam a lembranças de não sei o quê... Até hoje não consegui nominar isso.
É, o Hotel Central tinha suas histórias.
Certa noite apareceu por lá um hóspede mensalista. Era topógrafo e vinha carregando em sua bagagem um aparelho cujo nome era teodolito, usado para medir distâncias. Quem conhece o aparelho sabe que ele funciona como um binóculo dos bons. Não demorou muito para eu, na altura dos meus 12, 13 anos, começar a bolar um jeito de “emprestar” o teodolito do Walace e levá-lo para minha janela. Assim eu poderia chegar mais perto da lua, ver detalhes das estrelas, das constelações, enfim...
Plano pensado, plano executado. Não demorei nadinha para saber que o mais novo hóspede do Hotel Central saía todas as noites para namorar. Chegava bem tarde e às vezes nem chegava. Só no dia seguinte.
Com a vantagem de ser filha do proprietário, furtivamente a chave mestra dos apartamentos ia para as minhas mãos sempre que queria um pic-nic noturno e assim aconteceu, durante meses.
Wallace saía, as pessoas iam dormir e o teodolito trocava de endereço. Ia parar no apartamento 11 do Hotel Central e virar parte ativa de mais uma noite mágica entre telhados, lua cheia contemplada em todos os detalhes até onde as poderosas lentes do teodolito alcançavam e meu cachorro Mike, louco pelas descobertas de mais uma noite cheirada e buscada nos telhados mais distantes onde ele pudesse explorar.
Daquela janela o mundo era bem mais fácil de entender. O silêncio da noite remetia à sensação de que havia uma grande concordância. Ninguém achava isso ou aquilo. Tudo estava em paz, seguindo sua ordem.
Depois de ficar ali bastante tempo naquele transe misto de harmonia e bem estar, vinha Mike todo feliz da sua caçada noturna. Nossos corpos davam sinais de que queriam dormir. Era chegada a hora de devolver o teodolito.
Devagar abria a porta do meu quarto e ia ver se Walace havia chegado. Affff, graças a Deus que não. Devolvia o equipamento e voltava pra dormir.
No dia seguinte a vida seguia igual. Batalhões de meninas usavam a "Melissa" da moda, a roupa da hora e os meninos com seus comportamentos de sempre.
Minha vida noturna era bem melhor que a vida de adolescente!
Fecho os olhos e vejo imagens de uma época mágica, ambientada no meu quarto de hotel onde passei minha infância e uma boa parte da minha adolescência.
Alí eu vivi o etérico somado ao telúrico...Diante da janela do meu quarto havia um mar de telhados, dos mais diferentes tipos e modelos. A esse mar se unia o azul-escuro infinito das noites enluaradas.
Junto comigo havia sempre o amigo de confabulação e companhia constante, meu cachorro Mike. Bastava dar um sinal da minha intenção de atravessar a janela e ir para o telhado, que Mike já se empertigava todo. O rabinho não parava de abanar.
Dai em diante éramos nós e a lua cheia, que tecia sua teia de iluminação mágica e me envolvia naquele ritual de telhados e mil e uma noites.
Me embriagava com os cheiros misteriosos da noite. Eles me remetiam a lembranças de não sei o quê... Até hoje não consegui nominar isso.
É, o Hotel Central tinha suas histórias.
Certa noite apareceu por lá um hóspede mensalista. Era topógrafo e vinha carregando em sua bagagem um aparelho cujo nome era teodolito, usado para medir distâncias. Quem conhece o aparelho sabe que ele funciona como um binóculo dos bons. Não demorou muito para eu, na altura dos meus 12, 13 anos, começar a bolar um jeito de “emprestar” o teodolito do Walace e levá-lo para minha janela. Assim eu poderia chegar mais perto da lua, ver detalhes das estrelas, das constelações, enfim...
Plano pensado, plano executado. Não demorei nadinha para saber que o mais novo hóspede do Hotel Central saía todas as noites para namorar. Chegava bem tarde e às vezes nem chegava. Só no dia seguinte.
Com a vantagem de ser filha do proprietário, furtivamente a chave mestra dos apartamentos ia para as minhas mãos sempre que queria um pic-nic noturno e assim aconteceu, durante meses.
Wallace saía, as pessoas iam dormir e o teodolito trocava de endereço. Ia parar no apartamento 11 do Hotel Central e virar parte ativa de mais uma noite mágica entre telhados, lua cheia contemplada em todos os detalhes até onde as poderosas lentes do teodolito alcançavam e meu cachorro Mike, louco pelas descobertas de mais uma noite cheirada e buscada nos telhados mais distantes onde ele pudesse explorar.
Daquela janela o mundo era bem mais fácil de entender. O silêncio da noite remetia à sensação de que havia uma grande concordância. Ninguém achava isso ou aquilo. Tudo estava em paz, seguindo sua ordem.
Depois de ficar ali bastante tempo naquele transe misto de harmonia e bem estar, vinha Mike todo feliz da sua caçada noturna. Nossos corpos davam sinais de que queriam dormir. Era chegada a hora de devolver o teodolito.
Devagar abria a porta do meu quarto e ia ver se Walace havia chegado. Affff, graças a Deus que não. Devolvia o equipamento e voltava pra dormir.
No dia seguinte a vida seguia igual. Batalhões de meninas usavam a "Melissa" da moda, a roupa da hora e os meninos com seus comportamentos de sempre.
Minha vida noturna era bem melhor que a vida de adolescente!
Hotel Central II
Era quase 1 da madrugada e qualquer um daria um segundo de sua vida para saber o que aquela garota fazia tão sozinha, deitada naquele telhado. A luz lunar naquele ambiente refletia uma imagem inusitada: um mar de telhados, uma garota branquíssima de longos cabelos negros e, pasmem! Um cão. Acho que o cachorro era dela, não sei. Só pode! Fiquei pensando que paradoxalmente àquele único sinal de vida que se banhava na luz lunar vinda do céu e refletida no telhado, a cidade dormia e nem via o que acontecia.
Penso assim por que adolescentes são seres sociáveis mas que ainda vivem sob as regras dos pais. Chegam em casa sem passar das 10 e suas vidas têm hábitos e horários convencionais.
Bom, quis ficar mais na minha posição, ali meio que distante, sendo, certamente, a única testemunha daquela cena. Havia também uma música que vinha de um rádio lá, colocado no parapeito da janela aberta. Devia ser o apartamento da garota, afinal, a menina tinha que vir de algum lugar, não? Ninguém aparece simplesmente em um telhado, na madrugada, tão distante de casa. A garota poderia muito bem ser uma hóspede ou filha do proprietário do Hotel Central.
O cãozinho parecia se sentir bastante familiarizado com o lugar. Num instante ele corria por um monte de telhados de diferentes modelos.
Cheirava aqui e acolá e de vez em quando ele parava, meio que tipo esperançoso de encontrar ...um gato, talvez? Sei lá.
A garota tira um objeto arredondando como uma cabeça, de dentro de um saco branco. Ajeitou aquilo e depois se pôs a olhar como fazemos quando olhamos o espaço através de um telescópio. Assim ela ficou um bom tempo. Depois, como que preocupada em saber onde estava seu pupilo, ela chama: Mike!
O bichinho veio que nem foguete. Quando chegou perto da menina, fez umas gracinhas. Deu-lhe uma simpática lambida nas mãos e voltou, todo empertigado, querendo mais emoções naquela superfície estranha.
A noite estava agradável. Perfumada, como só as noites de lua cheia são.
Próximo dali, na praça da cidade ficava a igreja com sua torre imponente e nela havia um relógio daqueles antigos, que mostrava as idas da madrugada alta.
A lua já iniciava seu arco descendente, típico das duas horas.
_ Amanhã, ou melhor, hoje, vou precisar sair pra resolver umas coisas. Mas não consigo desgrudar desse telhado. Preciso ver o que vai acontecer.
A garota continuava lá, de olhos bem abertos, fitando o céu e parecendo querer descobrir o mistério das estrelas e de seu Pai. Que delírios seriam esses? Quais eram suas emoções, considerações? Por que ali? E numa hora daquela?
Nem bem terminei de considerar minhas curiosidades e a mocinha foi se levantando. Fiquei apreensivo com a possibilidade dela escorregar, cair dali, ou mesmo de o aparelho rolar telhado abaixo.
Mas nada disso aconteceu. Ela, com um tipo que dominava os mistérios do telhado, deu um ligeiro e baixo assovio e o cachorrinho veio, com a língua de fora, denunciando o cansaço de tanto brincar.
Os dois foram caminhando em direção à janela e do rádio vinha a canção "Strawberry Fields Forever", dos Beatles.
Na seqüência, o Big Boy, da Mundial, anunciava que a programação ia chegando ao fim.
"Fim do programa, baby"!!!!!
No dia seguinte, ainda encafifado com a cena da madrugada, sai pra resolver minhas coisas. Sabia que ia ser um dia cheio e que provavelmente tão cedo não iria chegar em casa.
Quando foi tipo 4 da tarde, qual não foi minha surpresa ao reencontrar a garota do telhado. Desta vez, sentada no banco da praça, como é tão comum em cidades do interior. O cachorrinho também estava lá.
Interessante pensar na solidão daquela menina na cena do telhado e observar que agora também ela se mantinha isolada. Em volta havia dezenas de adolescentes. Elas todas muito arrumadinhas e, detalhe: usavam uma sandália muito parecida. Os rapazes também possuíam um estereótipo comum e o assunto deles me pareceu tão enfadonho quanto uma tarde de serviço pesado depois de almoçar uma feijoada.
Vi que a menina carregava consigo um livro pra lá de amarrotado, desses de edição barata, comprado em bancas de revista.
De repente ela se ajeita pra começar a ler. O título era "Sidarta", de Hermann Hesse.
Saí dali mais ou menos entendendo aquela situação. À noite, eu no meu quarto alugado a preços módicos para viajantes, fui para a minha janela e fiquei alí, à meia luz, à espera da garota. Ela não apareceu.
No dia seguinte, depois de fazer a praça, esquentei o motor do meu fusca e fui vender noutra freguesia.
Penso assim por que adolescentes são seres sociáveis mas que ainda vivem sob as regras dos pais. Chegam em casa sem passar das 10 e suas vidas têm hábitos e horários convencionais.
Bom, quis ficar mais na minha posição, ali meio que distante, sendo, certamente, a única testemunha daquela cena. Havia também uma música que vinha de um rádio lá, colocado no parapeito da janela aberta. Devia ser o apartamento da garota, afinal, a menina tinha que vir de algum lugar, não? Ninguém aparece simplesmente em um telhado, na madrugada, tão distante de casa. A garota poderia muito bem ser uma hóspede ou filha do proprietário do Hotel Central.
O cãozinho parecia se sentir bastante familiarizado com o lugar. Num instante ele corria por um monte de telhados de diferentes modelos.
Cheirava aqui e acolá e de vez em quando ele parava, meio que tipo esperançoso de encontrar ...um gato, talvez? Sei lá.
A garota tira um objeto arredondando como uma cabeça, de dentro de um saco branco. Ajeitou aquilo e depois se pôs a olhar como fazemos quando olhamos o espaço através de um telescópio. Assim ela ficou um bom tempo. Depois, como que preocupada em saber onde estava seu pupilo, ela chama: Mike!
O bichinho veio que nem foguete. Quando chegou perto da menina, fez umas gracinhas. Deu-lhe uma simpática lambida nas mãos e voltou, todo empertigado, querendo mais emoções naquela superfície estranha.
A noite estava agradável. Perfumada, como só as noites de lua cheia são.
Próximo dali, na praça da cidade ficava a igreja com sua torre imponente e nela havia um relógio daqueles antigos, que mostrava as idas da madrugada alta.
A lua já iniciava seu arco descendente, típico das duas horas.
_ Amanhã, ou melhor, hoje, vou precisar sair pra resolver umas coisas. Mas não consigo desgrudar desse telhado. Preciso ver o que vai acontecer.
A garota continuava lá, de olhos bem abertos, fitando o céu e parecendo querer descobrir o mistério das estrelas e de seu Pai. Que delírios seriam esses? Quais eram suas emoções, considerações? Por que ali? E numa hora daquela?
Nem bem terminei de considerar minhas curiosidades e a mocinha foi se levantando. Fiquei apreensivo com a possibilidade dela escorregar, cair dali, ou mesmo de o aparelho rolar telhado abaixo.
Mas nada disso aconteceu. Ela, com um tipo que dominava os mistérios do telhado, deu um ligeiro e baixo assovio e o cachorrinho veio, com a língua de fora, denunciando o cansaço de tanto brincar.
Os dois foram caminhando em direção à janela e do rádio vinha a canção "Strawberry Fields Forever", dos Beatles.
Na seqüência, o Big Boy, da Mundial, anunciava que a programação ia chegando ao fim.
"Fim do programa, baby"!!!!!
No dia seguinte, ainda encafifado com a cena da madrugada, sai pra resolver minhas coisas. Sabia que ia ser um dia cheio e que provavelmente tão cedo não iria chegar em casa.
Quando foi tipo 4 da tarde, qual não foi minha surpresa ao reencontrar a garota do telhado. Desta vez, sentada no banco da praça, como é tão comum em cidades do interior. O cachorrinho também estava lá.
Interessante pensar na solidão daquela menina na cena do telhado e observar que agora também ela se mantinha isolada. Em volta havia dezenas de adolescentes. Elas todas muito arrumadinhas e, detalhe: usavam uma sandália muito parecida. Os rapazes também possuíam um estereótipo comum e o assunto deles me pareceu tão enfadonho quanto uma tarde de serviço pesado depois de almoçar uma feijoada.
Vi que a menina carregava consigo um livro pra lá de amarrotado, desses de edição barata, comprado em bancas de revista.
De repente ela se ajeita pra começar a ler. O título era "Sidarta", de Hermann Hesse.
Saí dali mais ou menos entendendo aquela situação. À noite, eu no meu quarto alugado a preços módicos para viajantes, fui para a minha janela e fiquei alí, à meia luz, à espera da garota. Ela não apareceu.
No dia seguinte, depois de fazer a praça, esquentei o motor do meu fusca e fui vender noutra freguesia.
Sobre peixes e gatos de rua
Eu fico na ânsia de te contar sobre as coisas que aprendi ao navegar por outros mares. Tenho vontade de te mostrar o que sempre foi só meu. Queria que você fosse comigo aos lugares que eu amo e onde enterrei alguns segredos. Queria te levar até o meu esconderijo e queria te mostrar um casal de peixes – grandes e coloridos – que só existem em um lago do mundo e eu faço de conta que só eu sei onde ele fica.
Queria te falar das minhas manias e ver você rindo...sorrindo...complacente.
Te mostraria também meu gato Perhan e nos hipnotizaríamos com o azul intenso dos seus olhos.
Nas tardes de domingo, seríamos nós, gatos, redes, livros e sons.
Queria levar você até uma trilha que eu descobri e que conduz até o lugar mais bonito que existe e faço de conta que só eu botei os pés lá.
Queria mais uns instantes com você até aprender a transformar a mais ínfima porção do tempo numa eternidade incomensurável.
Queria te falar das minhas manias e ver você rindo...sorrindo...complacente.
Te mostraria também meu gato Perhan e nos hipnotizaríamos com o azul intenso dos seus olhos.
Nas tardes de domingo, seríamos nós, gatos, redes, livros e sons.
Queria levar você até uma trilha que eu descobri e que conduz até o lugar mais bonito que existe e faço de conta que só eu botei os pés lá.
Queria mais uns instantes com você até aprender a transformar a mais ínfima porção do tempo numa eternidade incomensurável.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Se perdem gestos, cartas de amor, malas, parentes
Se perdem vozes, cidades, países, amigos
Romances perdidos, objetos perdidos, histórias se perdem.
Se perde o que fomos e o que queríamos ser.
Se perde o momento, mas não existe perda, existe movimento.
(Poema de Sombra_ escrito por Bruna Lombardi e faz parte do filme “O Signo da Cidade”)
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