segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Jornais, jornalistas e jornaleiros
Já foi ao jornaleiro hoje? Não? Saiba que no próximo dia 30 comemora-se o Dia do Jornaleiro. Não sei se vai ter festa, mas deveria. A palavra “jornal” tem sua origem no latim “diurnális”, que significa “dia”, “diário”, ou seja, o relato de um dia de atividades. Dela surgiram duas expressões: jornalista e jornaleiro. A primeira tem o ethos da criação, da investigação, do conhecimento, da inteligência. Já a segunda expressão garantiu ao longo de séculos a circulação da notícia. Em boa parte dos séculos XIX e XX de nada adiantariam jornalistas sem os jornaleiros.
Ocorre que uma função ficou cheia de charme e a outra repleta de esquecimento, quiçá beirando a extinção. O primeiro jornal que se tem notícia foi o romano “Acta Diurna”, publicado em 59 aC., sendo o “Notizie Scritte”, publicado em Veneza (1556), o primeiro jornal mensal. O primeiro semanário foi o “Relation”, impresso na Antuérpia (1605), e o “Post-och Inrikes Tidningar”, publicado pela primeira vez na Suécia, em 1645, existe até hoje e é considerado o jornal em circulação mais antigo do mundo. Todos eles, sem exceção, sempre dependeram da entrega, da distribuição, da garantia para que a ponte entre o jornalista e o leitor ocorresse.
Em 1690, o homo-sapiens-jornalista desembarcou na América, com o “Publick Benjamin
Harris”, o primeiro jornal das colônias americanas. O curioso é que o “Harris” já empregava uma forma primitiva de participação do leitor. O jornal era impresso em três folhas e uma quarta página era deixada em branco para que os leitores pudessem adicionar suas próprias notícias, sendo que depois repassavam o exemplar a outros leitores. No início do século passado já havia centenas de jornais nos EUA e na Europa, quando surgiram as agencias de noticias e os novos meios de comunicação (rádio, TV, etc.), que deram novos rumos e formatos ao jornalismo. Todavia, a imprensa impressa, prensada, linotipada, que transforma papel-jornal em papel-notícia dependia e ainda depende do entregador, do circulador, do “homem da última milha”.
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A partir de meados do século XIX nos EUA, milhares de meninos passaram a entregar os jornais nas ruas, sendo chamados então de jornaleiros (newsies, ou newsboys). Não havia esquina em que eles não estivessem, e pela primeira vez os jornais ganhavam circulação em escala. Os newsboys pertenciam as classes mais pobres da sociedade, e muitas vezes dormiam no próprio local de trabalho: as ruas. Não eram empregados dos jornais, e estes não permitiam a devolução das sobras. Um jornaleiro típico da época não ganhava mais do que 30 centavos de dólar por dia, trabalhando muitas vezes de manha à noite. Saiam pela cidade gritando “Extra, extra!”, um grito que aos poucos foi sendo ouvido em quase todas as grandes ruas das grandes cidades ocidentais. É curioso pensar que a imprensa já foi uma notória exploradora do trabalho infantil. Se por um lado veiculava o jornal, por outro explorava o jornaleiro mirim, menor de idade, numa prática que na época não era considerada crime. Somente em 1899, numa greve histórica, os meninos-de-rua-jornaleiros alcançaram melhores condições de trabalho.
Ao que tudo indica os jornaleiros surgiram no Brasil há quase 150 anos, tendo começado com os negros escravos que saíam pelas ruas gritando as principais manchetes estampadas no jornal “A Atualidade”, o primeiro vendido avulso no país (1858). A atividade se expandiu com os imigrantes italianos, sendo eles chamados de “gazeteiros”. Não tinham ponto fixo e perambulavam pela cidade com pilhas de jornais amarrados nos ombros. Reza a história que foi um imigrante italiano, Carmine Labanca, quem primeiro montou um ponto fixo no Rio de Janeiro – razão para muitos associarem o nome dos pontos-de-venda (”banca”) ao sobrenome do fundador. Os jornais eram vendidos em caixotes de madeira, que evoluíram para bancas de madeira por volta de 1910, sendo que nos anos 50 elas foram paulatinamente substituídas pelas bancas de metal. A regulamentação das bancas veio com o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, em 1954, por conta do paisagismo da cidade.
Dia do Jornaleiro é dia especial para jornalista, ou deveria ser. Fazer jornal é bonito, é chique, é coisa de quem estudou, de quem estuda. Vender jornal é coisa só de quem o ama, o guarda, o entrega, o protege. Setembro é especial por causa deles, dos jornaleiros. Pouco se fala de seu trabalho, poucos são lembrados, poucos são cumprimentados nesse dia, talvez até porque estão minguando, acabando, se extinguindo, se transformando. Com as novas mídias sabe lá qual será o seu destino. O que está claro é que todos os dias, em quase todos os cantos do planeta, um novo jornal ainda é impresso, e milhões de pessoas ainda vão as bancas buscá-lo. Milhões ainda esperam o guri trazer o seu. Milhões reverenciam os jornais e até os jornalistas, mas não sei se reverenciam o jornaleiro. Dia 30 é o dia deles. Ser jornal é bom, ser jornalista é ótimo, mas ser jornaleiro é lindo.
Fonte: Blog da Cultura
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