Seguinte, prováveis e improváveis visitantes.
Não sei mexer com as configurações do blogger. Ou melhor, já fiz isso sozinha antes e este blog até que era bonitinho visualmente falando mas, fui tentar botar outras cores e tal e, sinceramente, demanda tempo. Produto raro nessa fase de vida.
Desse modo, caro visitante, o blog está em manutenção mas, caso queira, entra, senta, fica à vontade. Fique nú. Dispa dos pré-conceitos.
quinta-feira, 26 de maio de 2011
domingo, 22 de maio de 2011
Sobre Mangueiras
Jamais vi época de tamanha generosidade e fartura em Rio Branco, como a que vejo na época das mangas. As mangueiras , como se fossem grandes mães, estendem seus galhos carregados por cima de todos os muros. Transgridem o princípio da propriedade simplesmente para oferecer seus frutos aos que por elas passam.
Se a generosidade tiver uma cor, ela bem que poderia ser da cor das mangas espadas, calotinhas, manguitas, coração-de-boi e de tantas outras variedades.
Minha paixão pelas mangueiras nasceu da minha compaixão pela pobreza extrema de grande parte dos habitantes de Rio Branco. Na época desses frutos eles são, em muitos casos, os únicos alimentos diários de muita gente.
Um dia cheguei numa casa coberta apenas com palhas. Os móveis eram caixotes velhos e fazendo o papel de cama, havia uma velha espuma acomodada num canto daquela casa de chão batido.
Crianças havia de sobra naquela casa. Os olhos delirantes sonhavam com um bom prato de comida. Mesmo que fosse apenas farinha e água, já estaria de bom tamanho. Entretanto, nada havia ali que se pudesse comer.
A mãe, sentia pesarosa a situação mas conseguia dar aquele drible emocional que só as mães e outros amores sabem fazer. Toda "animada", ela dizia para as crianças pegarem as latas pois iriam até as mangueiras. “La está muito bom. Tem manga de todo tipo. Uma delícia"! dizia.
Aquela família era apenas uma das dezenas e dezenas de outras famílias em situação semelhante que viviam naquele local. Eu estava ali para entrevistar, mostrar como viviam aquelas pessoas.
Resolvi ir junto com eles para as tais mangueiras já que soube que por aquela hora haveria muita gente por lá.
As árvores estavam próximas dali, numa fazendinha que aos poucos ficou sendo sitiada pela cidade. Havia uma cerca de arame farpado.
Do lado de dentro, uma bucólica pastagem com gados e cavalos maltratados.
Do lado de fora, como num quadro de Van Gogh, a luz e as cores das roupas e os tons das peles das pessoas refletindo a luz do Sol!
Tudo era risadaria, conversa e brincadeira de criançada. As bocas exibiam dentes cravejados de fiapos e as mãos eram um caldo só!
A razão daquela confraternização abençoada, eram as mangueiras. Aos borbotões e em plena fase de gestação e ovários. Afinal, cada manguinha daquela trazia consigo um caroço, destinado a perpetuar a espécie.
A mulher e as crianças foram logo catando as frutas. Comecei também a ajudar e depois de enchermos duas latas com lindas Espadas, nos sentamos para “almoçar”.
Quando a fome foi saciada a conversa fluiu melhor e fiquei sabendo que aquela terrinha pertencia a um colono que não queria estranhos dentro de sua propriedade mas também não se importava que pessoas fossem lá pegar mangas, “desde que elas estivessem do lado de fora da cerca”.
Fiquei ali, com uma manga nas mãos, observando a cena. Ali eu vi o poder da generosidade. As mangueiras e seus galhos que mais pareciam braços, se estendiam gentilmente por sobre a cerca e ofereciam seus frutos àqueles que tinham fome.
Na volta, passando pelas ruas de Rio Branco, não pude deixar de notar a quantidade enorme de mangueiras nos quintais das residências. Todas elas se debruçavam sobre os muros exibindo galhos lotados de mangas. Aquilo alimentou minha alma.
Obrigada, Deus pelas mangueiras.
Se a generosidade tiver uma cor, ela bem que poderia ser da cor das mangas espadas, calotinhas, manguitas, coração-de-boi e de tantas outras variedades.
Minha paixão pelas mangueiras nasceu da minha compaixão pela pobreza extrema de grande parte dos habitantes de Rio Branco. Na época desses frutos eles são, em muitos casos, os únicos alimentos diários de muita gente.
Um dia cheguei numa casa coberta apenas com palhas. Os móveis eram caixotes velhos e fazendo o papel de cama, havia uma velha espuma acomodada num canto daquela casa de chão batido.
Crianças havia de sobra naquela casa. Os olhos delirantes sonhavam com um bom prato de comida. Mesmo que fosse apenas farinha e água, já estaria de bom tamanho. Entretanto, nada havia ali que se pudesse comer.
A mãe, sentia pesarosa a situação mas conseguia dar aquele drible emocional que só as mães e outros amores sabem fazer. Toda "animada", ela dizia para as crianças pegarem as latas pois iriam até as mangueiras. “La está muito bom. Tem manga de todo tipo. Uma delícia"! dizia.
Aquela família era apenas uma das dezenas e dezenas de outras famílias em situação semelhante que viviam naquele local. Eu estava ali para entrevistar, mostrar como viviam aquelas pessoas.
Resolvi ir junto com eles para as tais mangueiras já que soube que por aquela hora haveria muita gente por lá.
As árvores estavam próximas dali, numa fazendinha que aos poucos ficou sendo sitiada pela cidade. Havia uma cerca de arame farpado.
Do lado de dentro, uma bucólica pastagem com gados e cavalos maltratados.
Do lado de fora, como num quadro de Van Gogh, a luz e as cores das roupas e os tons das peles das pessoas refletindo a luz do Sol!
Tudo era risadaria, conversa e brincadeira de criançada. As bocas exibiam dentes cravejados de fiapos e as mãos eram um caldo só!
A razão daquela confraternização abençoada, eram as mangueiras. Aos borbotões e em plena fase de gestação e ovários. Afinal, cada manguinha daquela trazia consigo um caroço, destinado a perpetuar a espécie.
A mulher e as crianças foram logo catando as frutas. Comecei também a ajudar e depois de enchermos duas latas com lindas Espadas, nos sentamos para “almoçar”.
Quando a fome foi saciada a conversa fluiu melhor e fiquei sabendo que aquela terrinha pertencia a um colono que não queria estranhos dentro de sua propriedade mas também não se importava que pessoas fossem lá pegar mangas, “desde que elas estivessem do lado de fora da cerca”.
Fiquei ali, com uma manga nas mãos, observando a cena. Ali eu vi o poder da generosidade. As mangueiras e seus galhos que mais pareciam braços, se estendiam gentilmente por sobre a cerca e ofereciam seus frutos àqueles que tinham fome.
Na volta, passando pelas ruas de Rio Branco, não pude deixar de notar a quantidade enorme de mangueiras nos quintais das residências. Todas elas se debruçavam sobre os muros exibindo galhos lotados de mangas. Aquilo alimentou minha alma.
Obrigada, Deus pelas mangueiras.
sábado, 7 de maio de 2011
Acordes que contribuíram para mudanças históricas no Brasil.
Revisitando fases antigas da Música Popular Brasileira, dei de cara com o rico acervo criado na época dos festivais da antiga TV Record.
A onda musical se contrapunha aos desmandos do regime militar que tomaram conta do país entre os anos de 1964 a 1985. Esse Establishment instaurou no país a ausência de democracia, a supressão de direitos constitucionais, a censura, a perseguição política e a repressão feroz a quem se atrevesse a desvirtuar a ordem imposta.
A sociedade, porém, não se calou.
Aliado aos setores estudantis e de políticos de esquerda, a arte se manifestou contra aquele sistema. Na música, Caetano Veloso entrava em cena para dizer que era Proibido Proibir. Os festivais de música da Record jogavam flashs de luz em Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda e outros e, inseria na mídia mais popular do país, a televisão, lenha para uma nova ideologia. Uma nova ordem.
Alinhada com movimentos sindicalistas e ajudada pelas comunidades eclesiais da Igreja Católica, a nação brasileira começava a assimilar a necessidade de reação contra a falta de liberdade popular.
O protesto chegava finalmente aos principais interessados: o povo.
Os cantores da época, sensíveis ao chamamento, trataram de disseminar as sonoras idéias. As pessoas cantavam e assimilavam. Caminhavam e cantavam uma nova canção...
Vandré, quando compôs “Pra não Dizer que Não Falei em Flores”, falava de revolução:
“Pelos campos a fome em grandes plantações,
Pelas ruas marchando indecisos cordões...”
Naquela época, as artes, muito mais do que simplesmente entreter, eram responsáveis por formar opiniões, ideais políticos e até mesmo filosofias existenciais. A Tropicália e o Cinema Novo, por exemplo, foram assim...contraculturalmente apresentando um novo caminho a seguir.
Na militância política, a esquerda armada no Brasil também se organizou a partir do golpe militar de 1964, sob influências do socialismo revolucionário, que importou métodos empíricos usados pelos anarquistas espanhóis, portugueses e italianos, que fundaram, no início do século XX, os primeiros sindicatos do País.
O famoso escritor e poeta mineiro, Carlos Drumond de Andrade, perguntou E Agora, José? Embora a pergunta tivesse sido feita nos anos 40, na época da Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, Chico Buarque de Holanda trouxe a questão para o período dos “anos de chumbo”, e de novo perguntou. E Agora, José?
Sempre denunciando o abuso do poder político e econômico, Chico Buarque também falaria, em 1971, sobre os descasos para com o proletariado, principal força de trabalho nacional, quando um trabalhador morre na contramão atrapalhando o sábado. A música é “Construção”, composta por ele mesmo e é de caráter narrativo.
O protesto gritado por quase todos os setores sociais conduzem a uma época de abertura, em 1985, quando os militares começam a se retirar de cena.
O Brasil se volta ao planejamento anteriormente programado pelas multinacionais, antes do Golpe de 64, quando tentaram teleguiar o presidente eleito Janio Quadros. A manobra dá errado e Jânio renuncia logo após seu primeiro ano de mandato.
Entre mortos e feridos o Brasil segue pela via do capital. Grandes multinacionais aqui se instalam, geram empregos, as cidades crescem, se cosmopolizam.
Por outro lado o jogo entre exploradores e explorados continua igual e o grito na boca dos críticos descontentes ensaia sempre novos versos.
Na contemporaneidade, vivo o presente dado por um anjo, chamado Gabriel o Pensador. Pra mim ele é um dos senhores do movimento. Querubim afiadíssimo a jogar “leite na cara dos caretas”.
O Hip Hop e suas vertentes são a mais literal tradução da fome social cosmopolita. O Pensador que o diga!
Partindo para a análise sem maiores pretensões da música “Até Quando”, podemos ver a nova cara do Brasil.
O artista, numa linguagem direta e de fácil interpretação, incita a juventude a novas ideologias e à ação.
Através de frases que começam com “Você pode, você deve, pode crer” ele nos convida a prosseguir e a dizer um sonoro “não” à ordem política e econômica dominantes.
Como crítico social alerta para males do tipo vícios, roubos, marginalização e passividade.
A onda musical se contrapunha aos desmandos do regime militar que tomaram conta do país entre os anos de 1964 a 1985. Esse Establishment instaurou no país a ausência de democracia, a supressão de direitos constitucionais, a censura, a perseguição política e a repressão feroz a quem se atrevesse a desvirtuar a ordem imposta.
A sociedade, porém, não se calou.
Aliado aos setores estudantis e de políticos de esquerda, a arte se manifestou contra aquele sistema. Na música, Caetano Veloso entrava em cena para dizer que era Proibido Proibir. Os festivais de música da Record jogavam flashs de luz em Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda e outros e, inseria na mídia mais popular do país, a televisão, lenha para uma nova ideologia. Uma nova ordem.
Alinhada com movimentos sindicalistas e ajudada pelas comunidades eclesiais da Igreja Católica, a nação brasileira começava a assimilar a necessidade de reação contra a falta de liberdade popular.
O protesto chegava finalmente aos principais interessados: o povo.
Os cantores da época, sensíveis ao chamamento, trataram de disseminar as sonoras idéias. As pessoas cantavam e assimilavam. Caminhavam e cantavam uma nova canção...
Vandré, quando compôs “Pra não Dizer que Não Falei em Flores”, falava de revolução:
“Pelos campos a fome em grandes plantações,
Pelas ruas marchando indecisos cordões...”
Naquela época, as artes, muito mais do que simplesmente entreter, eram responsáveis por formar opiniões, ideais políticos e até mesmo filosofias existenciais. A Tropicália e o Cinema Novo, por exemplo, foram assim...contraculturalmente apresentando um novo caminho a seguir.
Na militância política, a esquerda armada no Brasil também se organizou a partir do golpe militar de 1964, sob influências do socialismo revolucionário, que importou métodos empíricos usados pelos anarquistas espanhóis, portugueses e italianos, que fundaram, no início do século XX, os primeiros sindicatos do País.
O famoso escritor e poeta mineiro, Carlos Drumond de Andrade, perguntou E Agora, José? Embora a pergunta tivesse sido feita nos anos 40, na época da Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, Chico Buarque de Holanda trouxe a questão para o período dos “anos de chumbo”, e de novo perguntou. E Agora, José?
Sempre denunciando o abuso do poder político e econômico, Chico Buarque também falaria, em 1971, sobre os descasos para com o proletariado, principal força de trabalho nacional, quando um trabalhador morre na contramão atrapalhando o sábado. A música é “Construção”, composta por ele mesmo e é de caráter narrativo.
O protesto gritado por quase todos os setores sociais conduzem a uma época de abertura, em 1985, quando os militares começam a se retirar de cena.
O Brasil se volta ao planejamento anteriormente programado pelas multinacionais, antes do Golpe de 64, quando tentaram teleguiar o presidente eleito Janio Quadros. A manobra dá errado e Jânio renuncia logo após seu primeiro ano de mandato.
Entre mortos e feridos o Brasil segue pela via do capital. Grandes multinacionais aqui se instalam, geram empregos, as cidades crescem, se cosmopolizam.
Por outro lado o jogo entre exploradores e explorados continua igual e o grito na boca dos críticos descontentes ensaia sempre novos versos.
Na contemporaneidade, vivo o presente dado por um anjo, chamado Gabriel o Pensador. Pra mim ele é um dos senhores do movimento. Querubim afiadíssimo a jogar “leite na cara dos caretas”.
O Hip Hop e suas vertentes são a mais literal tradução da fome social cosmopolita. O Pensador que o diga!
Partindo para a análise sem maiores pretensões da música “Até Quando”, podemos ver a nova cara do Brasil.
O artista, numa linguagem direta e de fácil interpretação, incita a juventude a novas ideologias e à ação.
Através de frases que começam com “Você pode, você deve, pode crer” ele nos convida a prosseguir e a dizer um sonoro “não” à ordem política e econômica dominantes.
Como crítico social alerta para males do tipo vícios, roubos, marginalização e passividade.
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quinta-feira, 5 de maio de 2011
segunda-feira, 25 de abril de 2011
domingo, 24 de abril de 2011
Hotel Central
O tempo passa, irmão. E passa tão rápido, que quando vemos já estamos nos surpreendendo com lembranças de épocas há muito vividas.
Fecho os olhos e vejo imagens de uma época mágica, ambientada no meu quarto de hotel onde passei minha infância e uma boa parte da minha adolescência.
Alí eu vivi o etérico somado ao telúrico...Diante da janela do meu quarto havia um mar de telhados, dos mais diferentes tipos e modelos. A esse mar se unia o azul-escuro infinito das noites enluaradas.
Junto comigo havia sempre o amigo de confabulação e companhia constante, meu cachorro Mike. Bastava dar um sinal da minha intenção de atravessar a janela e ir para o telhado, que Mike já se empertigava todo. O rabinho não parava de abanar.
Dai em diante éramos nós e a lua cheia, que tecia sua teia de iluminação mágica e me envolvia naquele ritual de telhados e mil e uma noites.
Me embriagava com os cheiros misteriosos da noite. Eles me remetiam a lembranças de não sei o quê... Até hoje não consegui nominar isso.
É, o Hotel Central tinha suas histórias.
Certa noite apareceu por lá um hóspede mensalista. Era topógrafo e vinha carregando em sua bagagem um aparelho cujo nome era teodolito, usado para medir distâncias. Quem conhece o aparelho sabe que ele funciona como um binóculo dos bons. Não demorou muito para eu, na altura dos meus 12, 13 anos, começar a bolar um jeito de “emprestar” o teodolito do Walace e levá-lo para minha janela. Assim eu poderia chegar mais perto da lua, ver detalhes das estrelas, das constelações, enfim...
Plano pensado, plano executado. Não demorei nadinha para saber que o mais novo hóspede do Hotel Central saía todas as noites para namorar. Chegava bem tarde e às vezes nem chegava. Só no dia seguinte.
Com a vantagem de ser filha do proprietário, furtivamente a chave mestra dos apartamentos ia para as minhas mãos sempre que queria um pic-nic noturno e assim aconteceu, durante meses.
Wallace saía, as pessoas iam dormir e o teodolito trocava de endereço. Ia parar no apartamento 11 do Hotel Central e virar parte ativa de mais uma noite mágica entre telhados, lua cheia contemplada em todos os detalhes até onde as poderosas lentes do teodolito alcançavam e meu cachorro Mike, louco pelas descobertas de mais uma noite cheirada e buscada nos telhados mais distantes onde ele pudesse explorar.
Daquela janela o mundo era bem mais fácil de entender. O silêncio da noite remetia à sensação de que havia uma grande concordância. Ninguém achava isso ou aquilo. Tudo estava em paz, seguindo sua ordem.
Depois de ficar ali bastante tempo naquele transe misto de harmonia e bem estar, vinha Mike todo feliz da sua caçada noturna. Nossos corpos davam sinais de que queriam dormir. Era chegada a hora de devolver o teodolito.
Devagar abria a porta do meu quarto e ia ver se Walace havia chegado. Affff, graças a Deus que não. Devolvia o equipamento e voltava pra dormir.
No dia seguinte a vida seguia igual. Batalhões de meninas usavam a "Melissa" da moda, a roupa da hora e os meninos com seus comportamentos de sempre.
Minha vida noturna era bem melhor que a vida de adolescente!
Fecho os olhos e vejo imagens de uma época mágica, ambientada no meu quarto de hotel onde passei minha infância e uma boa parte da minha adolescência.
Alí eu vivi o etérico somado ao telúrico...Diante da janela do meu quarto havia um mar de telhados, dos mais diferentes tipos e modelos. A esse mar se unia o azul-escuro infinito das noites enluaradas.
Junto comigo havia sempre o amigo de confabulação e companhia constante, meu cachorro Mike. Bastava dar um sinal da minha intenção de atravessar a janela e ir para o telhado, que Mike já se empertigava todo. O rabinho não parava de abanar.
Dai em diante éramos nós e a lua cheia, que tecia sua teia de iluminação mágica e me envolvia naquele ritual de telhados e mil e uma noites.
Me embriagava com os cheiros misteriosos da noite. Eles me remetiam a lembranças de não sei o quê... Até hoje não consegui nominar isso.
É, o Hotel Central tinha suas histórias.
Certa noite apareceu por lá um hóspede mensalista. Era topógrafo e vinha carregando em sua bagagem um aparelho cujo nome era teodolito, usado para medir distâncias. Quem conhece o aparelho sabe que ele funciona como um binóculo dos bons. Não demorou muito para eu, na altura dos meus 12, 13 anos, começar a bolar um jeito de “emprestar” o teodolito do Walace e levá-lo para minha janela. Assim eu poderia chegar mais perto da lua, ver detalhes das estrelas, das constelações, enfim...
Plano pensado, plano executado. Não demorei nadinha para saber que o mais novo hóspede do Hotel Central saía todas as noites para namorar. Chegava bem tarde e às vezes nem chegava. Só no dia seguinte.
Com a vantagem de ser filha do proprietário, furtivamente a chave mestra dos apartamentos ia para as minhas mãos sempre que queria um pic-nic noturno e assim aconteceu, durante meses.
Wallace saía, as pessoas iam dormir e o teodolito trocava de endereço. Ia parar no apartamento 11 do Hotel Central e virar parte ativa de mais uma noite mágica entre telhados, lua cheia contemplada em todos os detalhes até onde as poderosas lentes do teodolito alcançavam e meu cachorro Mike, louco pelas descobertas de mais uma noite cheirada e buscada nos telhados mais distantes onde ele pudesse explorar.
Daquela janela o mundo era bem mais fácil de entender. O silêncio da noite remetia à sensação de que havia uma grande concordância. Ninguém achava isso ou aquilo. Tudo estava em paz, seguindo sua ordem.
Depois de ficar ali bastante tempo naquele transe misto de harmonia e bem estar, vinha Mike todo feliz da sua caçada noturna. Nossos corpos davam sinais de que queriam dormir. Era chegada a hora de devolver o teodolito.
Devagar abria a porta do meu quarto e ia ver se Walace havia chegado. Affff, graças a Deus que não. Devolvia o equipamento e voltava pra dormir.
No dia seguinte a vida seguia igual. Batalhões de meninas usavam a "Melissa" da moda, a roupa da hora e os meninos com seus comportamentos de sempre.
Minha vida noturna era bem melhor que a vida de adolescente!
Hotel Central II
Era quase 1 da madrugada e qualquer um daria um segundo de sua vida para saber o que aquela garota fazia tão sozinha, deitada naquele telhado. A luz lunar naquele ambiente refletia uma imagem inusitada: um mar de telhados, uma garota branquíssima de longos cabelos negros e, pasmem! Um cão. Acho que o cachorro era dela, não sei. Só pode! Fiquei pensando que paradoxalmente àquele único sinal de vida que se banhava na luz lunar vinda do céu e refletida no telhado, a cidade dormia e nem via o que acontecia.
Penso assim por que adolescentes são seres sociáveis mas que ainda vivem sob as regras dos pais. Chegam em casa sem passar das 10 e suas vidas têm hábitos e horários convencionais.
Bom, quis ficar mais na minha posição, ali meio que distante, sendo, certamente, a única testemunha daquela cena. Havia também uma música que vinha de um rádio lá, colocado no parapeito da janela aberta. Devia ser o apartamento da garota, afinal, a menina tinha que vir de algum lugar, não? Ninguém aparece simplesmente em um telhado, na madrugada, tão distante de casa. A garota poderia muito bem ser uma hóspede ou filha do proprietário do Hotel Central.
O cãozinho parecia se sentir bastante familiarizado com o lugar. Num instante ele corria por um monte de telhados de diferentes modelos.
Cheirava aqui e acolá e de vez em quando ele parava, meio que tipo esperançoso de encontrar ...um gato, talvez? Sei lá.
A garota tira um objeto arredondando como uma cabeça, de dentro de um saco branco. Ajeitou aquilo e depois se pôs a olhar como fazemos quando olhamos o espaço através de um telescópio. Assim ela ficou um bom tempo. Depois, como que preocupada em saber onde estava seu pupilo, ela chama: Mike!
O bichinho veio que nem foguete. Quando chegou perto da menina, fez umas gracinhas. Deu-lhe uma simpática lambida nas mãos e voltou, todo empertigado, querendo mais emoções naquela superfície estranha.
A noite estava agradável. Perfumada, como só as noites de lua cheia são.
Próximo dali, na praça da cidade ficava a igreja com sua torre imponente e nela havia um relógio daqueles antigos, que mostrava as idas da madrugada alta.
A lua já iniciava seu arco descendente, típico das duas horas.
_ Amanhã, ou melhor, hoje, vou precisar sair pra resolver umas coisas. Mas não consigo desgrudar desse telhado. Preciso ver o que vai acontecer.
A garota continuava lá, de olhos bem abertos, fitando o céu e parecendo querer descobrir o mistério das estrelas e de seu Pai. Que delírios seriam esses? Quais eram suas emoções, considerações? Por que ali? E numa hora daquela?
Nem bem terminei de considerar minhas curiosidades e a mocinha foi se levantando. Fiquei apreensivo com a possibilidade dela escorregar, cair dali, ou mesmo de o aparelho rolar telhado abaixo.
Mas nada disso aconteceu. Ela, com um tipo que dominava os mistérios do telhado, deu um ligeiro e baixo assovio e o cachorrinho veio, com a língua de fora, denunciando o cansaço de tanto brincar.
Os dois foram caminhando em direção à janela e do rádio vinha a canção "Strawberry Fields Forever", dos Beatles.
Na seqüência, o Big Boy, da Mundial, anunciava que a programação ia chegando ao fim.
"Fim do programa, baby"!!!!!
No dia seguinte, ainda encafifado com a cena da madrugada, sai pra resolver minhas coisas. Sabia que ia ser um dia cheio e que provavelmente tão cedo não iria chegar em casa.
Quando foi tipo 4 da tarde, qual não foi minha surpresa ao reencontrar a garota do telhado. Desta vez, sentada no banco da praça, como é tão comum em cidades do interior. O cachorrinho também estava lá.
Interessante pensar na solidão daquela menina na cena do telhado e observar que agora também ela se mantinha isolada. Em volta havia dezenas de adolescentes. Elas todas muito arrumadinhas e, detalhe: usavam uma sandália muito parecida. Os rapazes também possuíam um estereótipo comum e o assunto deles me pareceu tão enfadonho quanto uma tarde de serviço pesado depois de almoçar uma feijoada.
Vi que a menina carregava consigo um livro pra lá de amarrotado, desses de edição barata, comprado em bancas de revista.
De repente ela se ajeita pra começar a ler. O título era "Sidarta", de Hermann Hesse.
Saí dali mais ou menos entendendo aquela situação. À noite, eu no meu quarto alugado a preços módicos para viajantes, fui para a minha janela e fiquei alí, à meia luz, à espera da garota. Ela não apareceu.
No dia seguinte, depois de fazer a praça, esquentei o motor do meu fusca e fui vender noutra freguesia.
Penso assim por que adolescentes são seres sociáveis mas que ainda vivem sob as regras dos pais. Chegam em casa sem passar das 10 e suas vidas têm hábitos e horários convencionais.
Bom, quis ficar mais na minha posição, ali meio que distante, sendo, certamente, a única testemunha daquela cena. Havia também uma música que vinha de um rádio lá, colocado no parapeito da janela aberta. Devia ser o apartamento da garota, afinal, a menina tinha que vir de algum lugar, não? Ninguém aparece simplesmente em um telhado, na madrugada, tão distante de casa. A garota poderia muito bem ser uma hóspede ou filha do proprietário do Hotel Central.
O cãozinho parecia se sentir bastante familiarizado com o lugar. Num instante ele corria por um monte de telhados de diferentes modelos.
Cheirava aqui e acolá e de vez em quando ele parava, meio que tipo esperançoso de encontrar ...um gato, talvez? Sei lá.
A garota tira um objeto arredondando como uma cabeça, de dentro de um saco branco. Ajeitou aquilo e depois se pôs a olhar como fazemos quando olhamos o espaço através de um telescópio. Assim ela ficou um bom tempo. Depois, como que preocupada em saber onde estava seu pupilo, ela chama: Mike!
O bichinho veio que nem foguete. Quando chegou perto da menina, fez umas gracinhas. Deu-lhe uma simpática lambida nas mãos e voltou, todo empertigado, querendo mais emoções naquela superfície estranha.
A noite estava agradável. Perfumada, como só as noites de lua cheia são.
Próximo dali, na praça da cidade ficava a igreja com sua torre imponente e nela havia um relógio daqueles antigos, que mostrava as idas da madrugada alta.
A lua já iniciava seu arco descendente, típico das duas horas.
_ Amanhã, ou melhor, hoje, vou precisar sair pra resolver umas coisas. Mas não consigo desgrudar desse telhado. Preciso ver o que vai acontecer.
A garota continuava lá, de olhos bem abertos, fitando o céu e parecendo querer descobrir o mistério das estrelas e de seu Pai. Que delírios seriam esses? Quais eram suas emoções, considerações? Por que ali? E numa hora daquela?
Nem bem terminei de considerar minhas curiosidades e a mocinha foi se levantando. Fiquei apreensivo com a possibilidade dela escorregar, cair dali, ou mesmo de o aparelho rolar telhado abaixo.
Mas nada disso aconteceu. Ela, com um tipo que dominava os mistérios do telhado, deu um ligeiro e baixo assovio e o cachorrinho veio, com a língua de fora, denunciando o cansaço de tanto brincar.
Os dois foram caminhando em direção à janela e do rádio vinha a canção "Strawberry Fields Forever", dos Beatles.
Na seqüência, o Big Boy, da Mundial, anunciava que a programação ia chegando ao fim.
"Fim do programa, baby"!!!!!
No dia seguinte, ainda encafifado com a cena da madrugada, sai pra resolver minhas coisas. Sabia que ia ser um dia cheio e que provavelmente tão cedo não iria chegar em casa.
Quando foi tipo 4 da tarde, qual não foi minha surpresa ao reencontrar a garota do telhado. Desta vez, sentada no banco da praça, como é tão comum em cidades do interior. O cachorrinho também estava lá.
Interessante pensar na solidão daquela menina na cena do telhado e observar que agora também ela se mantinha isolada. Em volta havia dezenas de adolescentes. Elas todas muito arrumadinhas e, detalhe: usavam uma sandália muito parecida. Os rapazes também possuíam um estereótipo comum e o assunto deles me pareceu tão enfadonho quanto uma tarde de serviço pesado depois de almoçar uma feijoada.
Vi que a menina carregava consigo um livro pra lá de amarrotado, desses de edição barata, comprado em bancas de revista.
De repente ela se ajeita pra começar a ler. O título era "Sidarta", de Hermann Hesse.
Saí dali mais ou menos entendendo aquela situação. À noite, eu no meu quarto alugado a preços módicos para viajantes, fui para a minha janela e fiquei alí, à meia luz, à espera da garota. Ela não apareceu.
No dia seguinte, depois de fazer a praça, esquentei o motor do meu fusca e fui vender noutra freguesia.
Sobre peixes e gatos de rua
Eu fico na ânsia de te contar sobre as coisas que aprendi ao navegar por outros mares. Tenho vontade de te mostrar o que sempre foi só meu. Queria que você fosse comigo aos lugares que eu amo e onde enterrei alguns segredos. Queria te levar até o meu esconderijo e queria te mostrar um casal de peixes – grandes e coloridos – que só existem em um lago do mundo e eu faço de conta que só eu sei onde ele fica.
Queria te falar das minhas manias e ver você rindo...sorrindo...complacente.
Te mostraria também meu gato Perhan e nos hipnotizaríamos com o azul intenso dos seus olhos.
Nas tardes de domingo, seríamos nós, gatos, redes, livros e sons.
Queria levar você até uma trilha que eu descobri e que conduz até o lugar mais bonito que existe e faço de conta que só eu botei os pés lá.
Queria mais uns instantes com você até aprender a transformar a mais ínfima porção do tempo numa eternidade incomensurável.
Queria te falar das minhas manias e ver você rindo...sorrindo...complacente.
Te mostraria também meu gato Perhan e nos hipnotizaríamos com o azul intenso dos seus olhos.
Nas tardes de domingo, seríamos nós, gatos, redes, livros e sons.
Queria levar você até uma trilha que eu descobri e que conduz até o lugar mais bonito que existe e faço de conta que só eu botei os pés lá.
Queria mais uns instantes com você até aprender a transformar a mais ínfima porção do tempo numa eternidade incomensurável.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Se perdem gestos, cartas de amor, malas, parentes
Se perdem vozes, cidades, países, amigos
Romances perdidos, objetos perdidos, histórias se perdem.
Se perde o que fomos e o que queríamos ser.
Se perde o momento, mas não existe perda, existe movimento.
(Poema de Sombra_ escrito por Bruna Lombardi e faz parte do filme “O Signo da Cidade”)
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